segunda-feira, 6 de julho de 2009

A prosa-poética literária


O livro Lavoura Arcaica está divido em duas partes: A partida e o retorno. É narrado em primeira pessoa, e concentra-se em grandes blocos com um único parágrafo, com uma linguagem bastante complexa, metafórica, culta, poética e com uma extrema ligação religiosa.

Os acontecimentos da narrativa vão se desenrolar em torno da vida de Andre, o protagonista da obra, que faz parte de uma família de imigrantes libaneses baseada em uma rígida estrutura camponesa, patriarcal e religiosa, guiada pela postura firme de um pai que se apóia nas tradições cristãs, valendo-se dos dez mandamentos, parábolas bíblicas, histórias de profetas e grandes pregadores. Além dessa estrutura clássica, a personagem também atormenta-se com o carinho exacerbado de sua mãe, a rigidez do pai e o mais extremo de seus sentimentos, a paixão incestuosa pela sua irmã, Ana. Tudo isso provoca em André o anseio por uma nova vida, longe de todos os limites que encontrava na fazenda.

Com sua partida, Andre deixa para trás aquele mundo asfixiante que o permeava, e que com o passar do tempo parecia consumir todas outras gerações de sua família, colocando a perder o precário equilíbrio da mesma. A mãe em desespero, pede a Pedro, filho primogênito, que vá em busca do filho pródigo na cidade, onde o mesmo encontra o irmão em um quarto de pensão marcado pela solidez. A partir desse momento, Pedro tenta convencer Andre a retornar ao lar, explicitando o sofrimento que atingira a família após sua partida. É então que Andre começa a contar a Pedro, sem qualquer linearidade – já que os diálogos eram interrompidos por lembranças da sua infância, adolescência – os motivos que o fizeram sair de casa: os discursos clássicos do pai, a rigidez moral imposta por ele, às estruturas sociais análogas às da Idade Média; e, além disso, o tormento maior de Andre: o relacionamento incestuoso com a irmã Ana.
O comportamento de Andre ao relatar tais inquietações, vai surpreendendo Pedro, que não consegue compreender as “perturbações” do irmão. Podemos dizer que o comportamento de Pedro, ao ouvir tudo aquilo, é um tanto omisso, já que só consegue falar das convenções da família, repetindo os ensinamentos do pai. Não convencendo Andre em alguns momentos, outro motivo que corrobora com isso é maneira como reage ao saber da paixão do irmão por Ana, ele não fala nada, fica em silêncio, como que pressagiasse o futuro da família.
Mas após inúmeros apelos, Pedro consegue convencer o irmão a retornar ao “lar”. Este retorno explicitará ainda mais os aspectos “doentios” da família, pois a exemplo de Andre, o irmão caçula, Lula, pretende abandonar a fazenda em busca de um mundo que promete possibilidades infinitas, além disso, podemos dizer que houve um caso não explicito entre eles, deixando subentendido talvez uma relação homossexual. Outra personagem que cresce na narrativa após o retorno do protagonista, é Ana, que surge neste momento na figura da mulher cigana, sensual, que posteriormente será o pivô da ruína do clã.
A volta de Andre traz uma aparente paz ao ambiente já inviabilizado, sendo recebido com uma grande festa rodeada de amigos e parentes assim como, na parábola bíblica do filho pródigo, surgindo aí uma intertextualidade com a Bíblia, mas ao contrário do que acontece na história religiosa, a volta de André se dá de uma forma invertida, ele torna-se o anti- herói, o anti-filho pródigo, pois com o seu retorno todos se envolvem com o seu dilema. Todos são acometidos pelo seu tormento, principalmente Ana, esta mais explicitamente, nesse momento ela deixa transparecer através de sua dança, de seus movimentos corporais, todo seu remorso, sua culpa, seu delírio, toda a situação trágica, fazendo com que seu pai perceba toda aquela inquietação, todos os fatos acontecidos entre ela e o irmão e o resultado não poderia ser outro senão a tragédia: o pai tomado pelo ódio, e pela idéia de que tal pecado só poderia ser apagado com a vida, mata a filha ao perceber a paixão entre os irmãos, logo após fica subentendido na narrativa o suicídio do pai, ficando a critério do leitor a interpretação final deste fato.
Desse modo vemos que a partir da divisão que ocorre na obra, a dialética dos atos, pensamentos e sentimentos do homem que vai perpassar durante toda a narrativa, nas relações entre família e indivíduo, natureza e religião, verborragia e silêncio, sagrado e profano, lirismo e loucura, afeto e opressão, ordem e transgressão, luz e sombra. Podemos dizer assim, que essas analogias sintetizam o ser humano em toda a sua plenitude – complexo e contraditório, além das fragilidades de uma família dando a narrativa um tom trágico, poético e bíblico, isso porque as referências bíblicas são obvias, tanto na questão da parábola do filho pródigo, quanto na utilização da Palavra com todo o seu poder de Verdade.

2 comentários:

  1. muito bem comentado o livro, nunca havia lido algo sobre ele, contentei-me com a perfeição da obra.

    adorei viu.

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  2. Isso é verdade...
    Mas Lavoura é simplesmente magnifico!!!

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